"GENDERLESS": A QUEBRA DE PADRÕES DE GÊNERO NA INDÚSTRIA DA MODA

27/11/2019

Por Maria Letícia Laurindo

A moda é uma das formas mais criativas e individualistas da autoexpressão, e por isso o conceito de roupas separadas por gênero pode parecer antiquado. Na última década, pessoas que não se identificam com as nomenclaturas "masculino" e "feminino" estão sendo lentamente mais aceitas e ouvidas, e com isso começam a surgir coleções e marcas inteiras dedicadas à moda genderless, definição usada para o conceito de peças sem gênero.

O primeiro questionamento relacionado ao tema vem quando analisamos lojas de roupas infantis, que normalmente abrigam duas seções: Uma com roupas leves, vestidos e itens cor-de-rosa e outra com camisas de super-heróis e roupas azuis. O que determina que, em uma indústria tão diversa e capaz de atender a todos os tipos de preferência, o que devemos vestir é determinado pela rígida definição social do gênero em que nascemos?

Ainda há um longo caminho a ser percorrido em busca da aceitação e representação de pessoas que não se encaixam nos padrões estabelecidos, mas uma parte da indústria da moda está um passo à frente.

Melk Zda é um artista plástico recifense e estilista de slow fashion - movimento que vai contra a produção em massa de roupas. Ele acredita que "A moda deve proliferar todo tipo de possibilidade, não restringi-las".

"É vital lançar uma variedade de gêneros, raças e tamanhos em cada show ou campanha" ele opina, "não apenas nas coleções que celebram orgulho ou focam nas diferenças". 

Além de Melk e outros artistas independentes, grandes marcas veem na moda genderless uma oportunidade de atrair um público jovem, que vê o gênero com mais fluidez do que qualquer geração anterior. Para colocar em números: a plataforma mais popular da geração, o Instagram, mostra 466 mil posts com a hashtag #GenderNeutral, termo que é usado para itens ou peças de roupa sem restrição de gênero.

Marcas como Burberry e Dolce & Gabbana não dividem mais desfiles entre masculino e feminino, e a Gucci vem se tornando um símbolo na normalização do uso de peças inter-gênero em seus eventos, editoriais e shows. E essas ações estão dando resultado: Mesmo fora do orçamento da grande maioria dos jovens, a Gucci manteve seu status como marca mais popular do mundo, de acordo com o índice Lyst, e segue marcando presença em tapetes-vermelhos.

Celebridades como Ezra Miller - ator conhecido pelo seu papel como o super-herói Flash, no filme homônimo -, Jaden Smith e Billie Eilish fazem parte do movimento que quebra tradições e regras ocultas de eventos de grandes proporções como o Grammy Awards ou o Met Gala, trocando ternos por saias e vestidos formais por roupas largas e assim abrindo caminho para outras figuras públicas e encorajando pessoas a usar o que lhes representa.

Mas o impacto do crescimento da cultura genderless não se restringe ao âmbito internacional. Matheus Ferreyra, estudante de publicidade e ator, aos 20 anos considera que a quebra de padrões de moda binária teve um papel fundamental no seu autoconhecimento. "Desde o momento em que eu comecei a aceitar quem sou, meu estilo foi tomando forma e quebrou concepções que eu mesmo tinha internalizadas", ele explica.

"Me confrontei com pensamentos sobre por que uma simples saia, peça com a qual eu me sinto tão livre usando, é uma coisa 'proibida' para mim" diz Matheus. "E com esse questionamento fui construindo minha identidade e selecionando o que uso", completa Matheus. 

Cidadão de um país culturalmente misógino e que lidera o ranking de lugares onde há mais assassinatos de pessoas transgênero, Matheus reconhece sua posição de privilégio por viver em um bairro de classe média da cidade do Recife: "Por mais que seja difícil usar peças consideradas femininas aqui, sei que estou numa situação de maior segurança com os transportes que tenho condições de usar e devido à localização dos locais que frequento" diz ele. "Me preocupo com pessoas que vivem em outros contextos e, por agir na sua liberdade são alvo de um perigo muito real".

Matheus comenta que espera que todos os lugares se tornem mais abertos, onde gestos como usar roupas designadas "femininas", "masculinas" ou sem gênero não sejam vistos com estranheza ou um ato revolucionário, mas apenas como a livre expressão de pessoas.

Todos os sinais estão apontando para uma atitude mais fluida em questões de gênero na indústria da moda, e com isso a maior inclusão de moda genderless, esperançosamente será um avanço visível nas próximas temporadas.

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